quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Identidade ameaçada


 
 
Por Nadjara Martins, repórter do Novo Jornal  
Foto: Jaeci (praça Augusto Severo)
 
A mudança no logradouro de ruas e praças, principalmente os que possuem nomes de personalidades históricas, como acontece em Natal, deveria passar pelo crivo legal. No entanto, esses critérios não tem sido respeitados. Apesar da mudança não ter acontecido oficialmente, a praça Augusto Severo, na Ribeira, está caindo no gosto popular como "Largo do TAM". A nova denominação, inclusive, já entrou em convites e cartas oficiais enviadas pelo Governo do Estado. A modificação - afirmam especialistas ouvidos pelo NOVO JORNAL - apesar de ser mais fácil para reconhecimento da popular, pode prejudicar o movimento pela valorização do patrimônio histórico de Natal.

A modificação de um logradouro público, como praças, prédios e vias da cidade, deve passar por um crivo legal. As propostas precisam ser aprovadas por um quórum popular de, no mínimo, 51 pessoas, para que possam ser debatidas na Câmara Municipal. Em determinadas cidades, como São Paulo e Belo Horizonte, as modificações são mais formais, e ficam a cargo exclusivo da câmara: a proposta é apresentada por um parlamentar, analisada e votada em plenário. No entanto, em Natal, qualquer potiguar pode sugerir e eleger um nome para determinada via da cidade - basta realizar um abaixo-assinado que, contando com apoio popular, poderá ser implantado.

Essa modificação constante na nomenclatura de prédios e vias públicas pode comprometer a conservação do patrimônio histórico. O alerta é do presidente administrativo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Jurandyr Navarro. "Praças e prédios antigos são uma forma de preservar um nome histórico e importante para o Estado", explica.

A maioria dos logradouros, em Natal, são homenagens a personagens conhecidos da história da capital: André de Albuquerque, Pedro Velho e Augusto Maranhão são alguns exemplos que personas que nomeiam praças e vias públicas. Entretanto, a falta de incentivos para manutenção do patrimônio histórico da cidade e, muitas vezes, pressões políticas podem comprometer a conservação de tais nomes.

"Não existe uma vontade de manter a história da cidade. Muitas vezes a prefeitura troca o nome para homenagear o marido ou a esposa de determinado político. Tem gente que aproveita de seus cargos", afirma o historiador Wandyr Villar. Segundo ele, determinados secretários da prefeitura já utilizaram de influência política para renomear vias públicas "sem que as pessoas tenham realmente alguma importância para a história da cidade".

A lei número 05089, de 1999, define que não podem ser utilizados como logradouros públicos "nomes de pessoas físicas vivas" ou "por mera lembrança ou homenagem pessoal". O que nem sempre é respeitado. É o caso das rua Vilma de Farias, no Pajuçara, zona norte da cidade, nomeada em homenagem à ex-governadora do estado - que ainda está viva, por acaso.

Porém, casos de mudanças de logradouros públicos devido à questões políticas não são novidade. Um dos casos mais reconhecidos é o da antiga praça Pedro Velho, em Petrópolis, que durante a ditadura militar passou a ser chamada de Praça Cívica. Na década de 1970, a praça ficou conhecida por ser o centro das comemorações militares, e desde então tem sido utilizada como palco para as festividades do dia da independência.

Para o historiador Waldyr Villar, é preciso que o município e o estado se conscientizem da importância de manter o nome original das vias públicas. "Às vezes a mudança começa da própria população, mas é necessário manter o nome original e resguardar a importância dos nomes que já fizeram a nossa história", ressaltou.

RENOMEAR PROVOCA PERDA NA IDENTIDADE HISTÓRICA.

Algumas ruas de Natal são nomeadas sem que sequer o personagem pertença a cidade. É o caso da rua Quintino Bocaiuva, na Ribeira. Quintino foi um escritor, jornalista e político carioca, que nunca passou por Natal. Ainda assim, ele renomeou uma das ruas mais antigas e conhecidas da capital: a antiga Rua Pedra do Rosário, onde se localiza um dos maiores símbolos da nossa cultural: a Pedra do Rosário.

São esses contrastes que impossibilitam a criação de uma identidade histórica no natalense. A assertiva e o exemplo citados são da arquiteta e historiadora Jeanne Nesi. Superintendente regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan/RN), ela explica que "o natalense não tem auto estima" quanto a preservação da própria história, e que o Governo, ao popularizar a renomeação de patrimônios históricos, promove a "desvalorização da identidade histórica e cultural".

"O próprio Governo do Estado, que tombou a Praça Augusto Severo como patrimônio histórico, insiste em chamar a área de Largo do TAM. Ficar renomeando as ruas e praças, além de ser um transtorno quanto a localização de quem mora na área, também impede que o potiguar crie uma identidade com a história da sua cidade. Diferentemente do que pensam, logradouros também são patrimônio", critica.

A superintendente se mostra indignada com a possibilidade de modificação do nome, pois isso mostra uma "falta de respeito" com o momento histórico que nomeou determinado patrimônio. No caso da Praça Augusto Severo - dedicado à um dos maiores aviadores do país e importante nome da história potiguar - ela acredita que "renomear ou popularizar outros nomes faz com que as pessoas se esqueçam de quem foram aqueles personagens, assim como a sua história".

Outro exemplo citado pela superintendente é a Avenida Junqueira Ayres, que recentemente foi dividida e teve uma das suas metades nomeadas como Avenida Câmara Cascudo. "Não digo que Cascudo foi menos importante, mas a quantidade de pessoas que nomeiam ruas e não tem nenhuma relação com a história do estado é enorme. É preciso entender que essa é uma total desvalorização da cultura potiguar, principalmente com o Centro Histórico de Natal, um dos patrimônios históricos mais conhecidos do país", critica. E acrescenta. "A falta de interesse em manter o nome das praças vai descaracterizando a história da cidade. Daqui a alguns anos ninguém vai saber quem é Augusto Severo".

MUDANÇAS SÃO FORMA DE ADAPTAÇÃO

A Fundação José Augusto (FJA), que já tem utilizado a denominação "Largo do TAM" no convites e panfletos oficiais do evento Agosto da Alegria, explica que as modificações não são oficiais. Segundo informações da assessoria de imprensa da instituição, a modificação é uma questão de facilitar a comunicação com a população.

"Nós não mudamos o nome da fundação. Foi mais uma questão de adaptar nossa comunicação com o que a população costuma reconhecer", explicou a assessoria da fundação. Segundo a FJA, foi o mesmo caso que aconteceu com o Palácio Potengi, hoje renomeado como Palácio Potengi da Cultura do Estado. No caso do palácio, por exemplo, a modificação foi para atender a uma mudança na função do prédio. Em 2003, por decreto da então governadora Vilma de Farias, o prédio passou a abrigar a Pinacoteca do Estado, e foi assim renomeado. Mas no imaginário popular, o prédio é reconhecido como Palácio Potengi, Pinacoteca do Estado ou Palácio da Cultura.

De acordo com a Semurb, no entanto, as modificações são algo monitorado. Segundo o diretor do Departamento de Gestão do Sistema de Informação Geográfica, Reginaldo Vasconcelos, a modificação da Praça Augusto Severo para Largo do TAM foi algo que aconteceu naturalmente, devido à adaptações populares, mas que não será formalizada.

"Passou a ser conhecido como Largo depois da reestruturação do terminal rodoviário. Após a reforma, largo e praça se confundiram, e passaram a ser conhecidos com esse nome devido aos eventos que acontecem lá", explicou.

Segundo Vasconcelos, a renomeação de ruas é algo que passa por uma avaliação sistemática da câmara e da secretaria, mas que a intensa expansão da cidade, de forma desordenada, não permite que a Semurb mantenha controle sobre a nomeação de ruas. "Às vezes nós nem sabemos que aquela rua foi criada", comenta. É o que se chama de "nomeação informal", quando os próprios moradores definem o nome das vias.

No entanto, o subsecretário de planejamento da Semurb, Carlos da Hora, aponta que a secretaria está com um projeto para reestruturar e renomear ruas que não tenham relação com a história da cidade. O programa "Cidade da Gente", iniciado em 2009, está com 50% das ruas de Natal emplacadas e renomeadas. "Estamos reestruturando as ruas. A previsão é que em 2013 já estejamos com tudo pronto", garantiu.

Carlos também explicou que a Semurb tem um projeto para manter a preservação histórica de logradouros e praças. "O nosso circuito hitórico já faz isso. As toponímias [nomes de lugares e suas modificações]devem ser preservadas, assim como os os eventos que aconteceram por lá. É nossa função preservar o patrimônio histórico", garantiu.


HISTÓRIAS QUE MUDARAM

1. Palácio Potengi

Em 1865, o Presidente OIinto José Meira, decidiu pela reconstrução do prédio da Fazenda Pública, que abrigaria a Assembléia e Câmara Municipal. O Superior Tribunal de Justiça funcionou ali a partir de 1892. Já em 1902, Alberto Maranhão transfere para este edifício a sede do governo estadual, renomeando-o Palácio do Governo. Em 1954, o então governador Sylvio Pedroza o denominou de Palácio Potengi, permanecendo assim até 1961, quando o governador Aluísio Alves o renomeou como Palácio da Esperança. Com o governo de Cortez Pereira voltou a ser Potengi. Tornou-se Palácio da Cultura em 1999, quando o governador Garibaldi Filho transferiu a sede do governo para o Centro Administrativo. Em 2003, a então governadora Vilma de Farias o renomeou como Palácio Potengi da Cultura mantendo ali o funcionamento da Pinacoteca do Estado.

2. Praça Pedro Velho

A Praça Pedro Velho, em Petrópolis, foi assim nomeada em homenagem ao primeiro governador do estado, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Abriga hoje um busto em homenagem ao governador, mas ouco se sabe sobre a história da praça. Os primeiros registros datam de 1924, sendo inaugurada oficialmente em 1937, pelo governador Gentil Ferreira. Permaneceu com esse nome até a década de 1970. Durante a ditadura militar, os soldados utilizavam a praça para festejos da semana da pátria.

3. Praça Augusto Severo

A praça Augusto Severo, é um dos mais importantes logradouros públicos da zona de preservação da cidade, visto encontrar-se encravado entre os históricos e imponentes prédios do Teatro Alberto Maranhão, antigo prédio do Grupo Escolar Augusto Severo, antigo prédio da Escola Doméstica e o Palacete do Cel. Juvino Barreto (atualmente Colégio Salesiano). Já abrigou os mais luxuosos hotéis de Natal como o Internacional, Hotel do Leões e o Avenida. Foi denominada Augusto Severo de Albuquerque Maranhão em 1913, por ocasião do 11° aniversário da morte do pioneiro da nossa aviação. Com a reforma do terminal rodoviário entre 2006 e 2008, a área se expandiu e passou a se confundir com o Largo Dom Bosco. Por ocasião dos festejos culturais que ali ocorrem, passou a ser chamada popularmente de Largo do TAM.



 

Um comentário:

  1. A foto acima é de um postal. Ele foi tirado no meio do antigo jardim existente na praça Augusto Severo. Até o final da década de 30, essa praça permaneceu assim. Essa foto é de aprximadamente 1935, por tanto não é do nosso grande fotógrafo Jaeci. Infelizmente no verso desse postal não tem o nome do autor da imagem.

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